sexta-feira, 20 de março de 2009

1. COM QUE PERSPECTIVAS TRABALHAMOS A LEITURA DE JORNAIS?


· Uma visão do processo de conhecimento

Quem conhece não deve se contentar apenas com as informações/impressões que pode vir a ter através dos seus sentidos a respeito daquilo que quer conhecer. Isto porque, conhecer pelos sentidos dá conta apenas da aparência das coisas. E o que pode complementar o conhecimento proporcionado pelos sentidos? O que pode fazer com que cada sujeito que conhece ultrapasse a aparência daquele objeto que pretende conhecer?

Para se ir além da aparência, é preciso que se utilize outra fonte de conhecimento: a razão, a capacidade de reflexão, com toda a história do sujeito interferindo na análise que puder fazer do objeto.

Para CHAUÍ (1984, p. 85), a razão é o instrumento de que dispomos para avaliar a coerência (ou incoerência ) de um pensamento ou uma teoria em relação a eles próprios. A razão de que estamos falando não é uma razão dura, fechada, mas inclui, no dizer de Zaccur (1997, p. 16), atitudes do tipo: a escuta à imaginação e à intuição, a ousadia para experimentar riscos, a sensibilidade para reconsiderações, a paciência para o trabalho do pensamento, a atenção aos insights e a astúcia antecipatória.

Se o Jornal apresenta uma determinada interpretação da realidade, o leitor, ao lê-lo “criticamente”, deverá interpretar a interpretação do Jornal.

A crítica se constrói mediante o exercício da própria crítica. E essa não surge já na forma de uma avaliação já criteriosa, científica, fundamentada. À medida que os alunos, analisam, comparam, dão sua opinião, escolhem (de acordo com seus próprios critérios)..., eles estão aprendendo a criticar. E isso pode começar desde sempre. Na escola, pode ir sendo ensaiada desde que a criança passa a freqüentar as turmas de Educação Infantil...

Olhando, manuseando e conversando sobre o jornal, a criança pode observar o texto, as diferenças e semelhanças, o espaço destinado ao texto e às ilustrações, as cores, a charge e a notícia à qual se refere, o preço, as sensações que lhe causam as palavras que cada jornal emprega, o nome de cada jornal, etc.

Sob a orientação do professor e com o próprio exercício dessas primeiras incursões no âmbito da atividade intelectual, a criança vai aperfeiçoando a sua capacidade de criticar. Começará do aparente usando os seus sentidos e obtendo dados empíricos sobre o Jornal para atingir aquilo que esta mesma aparência esconde.

Mesmo que saibamos que não existe uma fórmula única de se fazer a crítica, pois que isto negaria a própria natureza de um processo de reflexão que se pretenda crítico, é possível pensarmos em algumas “atitudes de investigação”:


- Não se sentir satisfeito com a primeira impressão. Reler, comparar, analisar, buscar outras fontes.

- Estabelecer vínculos entre as várias impressões sobre um dado texto. Tentar superar, pela reflexão, os pontos aparentemente desconexos e incoerentes (ou extremamente coerentes, vistos por apenas um ponto de vista ). Perguntar-se sobre o que os aproxima e afasta, deixando de lado os raciocínios maniqueístas (do tipo “ou isto ou aquilo”). Às vezes, numa mesma edição de jornal existem outras matérias (artigos, charges, editoriais, etc.) a respeito do assunto sobre o qual se lê e que o complementa ou questiona.

- Com relação ao jornal como um todo, tentar perceber os destaques e os não-destaques. Buscar semelhanças e contrastes. Estabelecer vínculos entre as notícias.

- Sobre as causas apresentadas para um dado acontecimento, procurar outros possíveis fatores condicionantes para o mesmo, ou em outras notícias do próprio jornal ou em outras fontes.

- Diante da informação sobre “o que houve”, indagar-se sobre “o que não houve”. Ou sobre o que “pode ter havido também”. Olhar os fatos “pelo avesso”.

- Verificar se a informação dá conta da simultaneidade de fatores determinantes para um dado fato. Lembrar-se de que a vida não é linear, mas um tecido onde fatores e estruturas, simultâneos ou não, pesam e interferem. Não cair na tentação, então, de fazer relações mecânicas ou simplistas. Um fato pode decorrer de vários fatores, mesmo que o jornal não dê conta de abordá-los todos. Até porque jornal não é livro nem revista.

- Buscar um conhecimento inter-pessoal, na troca de idéias com outros leitores.

- Abandonar as generalizações apressadas e as afirmações categóricas e absolutas sobre o texto que lê. Retornar a ele. O conteúdo da matéria significa, de fato, um detalhamento do seu título?

- Verificar quem foi fonte para a montagem da matéria e indagar-se sobre seus perfis e/ou filiações a grupos ou correntes de pensamento.

- Lembrar-se de que a nossa sociedade é bastante marcada pelo individualismo, pelo imediatismo, pelo consumismo. Procurar, então, verificar até que ponto o Jornal, como parte dela, confirma tais valores ou tenta superá-los.


· Uma concepção de Leitura

Alguém já falou que existirão tantas formas de leitura quantos forem os autores e leitores vivos, passados e que ainda estão por vir a este mundo. E é verdade: diante de um mesmo texto, cada pessoa reage diferentemente, em função de sua própria história.

Ler é atribuir sentido ao texto que se lê. E, nessa perspectiva, nem é a Linguagem que subordina o leitor e nem é esse quem domina completamente a Linguagem. Por isso, um texto, qualquer texto, admite múltiplas reações diante dele, não existindo uma leitura boa e correta e outra má e incorreta.

Do mesmo modo que não existe um autor que possa resguardar a sua produção escrita da influência de sua história, de suas preferências e de seus valores, o leitor leva para o seu momento de leitura a sua forma de viver, pensar e sentir.

O Jornal e seus textos regulam as interpretações, administrando a memória coletiva. Nas mãos dos alunos, esta força da Imprensa precisa ser avaliada e reconhecida. A leitura de jornais em sala de aula, então, deve ir além do uso de recortes de matérias jornalísticas específicas para enriquecer este ou aquele momento do currículo. Ler jornais deve significar a construção de escolhas do leitor diante dos vários autores que escrevem no Jornal. Dialogando com cada um, sabendo-se portador do direito de compreender desta ou daquela forma, tentando reconhecer os limites e possibilidades de cada qual – autor e leitor – diante da sociedade que os comporta é das mais raras e bem vindas aquisições para o aluno que lê jornais em sua escola.

Para o professor, então, é importante:

- não esperar pelo leitor-aluno ideal, que sabe e lê o que o professor quer que ele saiba e leia;

- procurar ouvir e observar o aluno-leitor para que ele indique por onde começar a leitura;

- ir além deste ponto;

- trabalhar o jornal em seu todo: analisar cada recorte em sua editoria, caderno, etc.;

- tentar articular cada notícia com outras de uma mesma edição (ou não );

- Não deixar que a informação que o jornal traz seja suficiente para a compreensão da realidade. Conversar – e muito – sobre ele;

- Colocar o jornal inteiro nas mãos dos alunos, nunca utilizando apenas um veículo; e

- e não ter preconceitos: articulando várias informações, explícitas ou implícitas, oriundas das mais diversas fontes, é que iremos compor uma informação mais completa


· E como compreendemos o nosso potencial de intervenção diante de nós mesmos, do mundo, do processo de conhecimento, da questão da leitura...?

Afinal, qual é o nosso poder de interferir e agir em prol da mudança e da humanização? Na atual conjuntura, dá para imaginar alguma forma não acomodada de viver?

Entender a vida e suas questões é fundamental para todos, alunos e professores, pois, sem compreender seu contexto e, nele, os seus limites e possibilidades de intervenção, o ser humano torna-se reduzido em sua capacidade de participar, de escolher caminhos, de definir formas de viver e de agir.

Agindo nessa direção e analisando mais detidamente o poder de cada um interferir, a escola estará ajudando a se perceber que:

- não somos vítimas ingênuas de um contexto perverso;
- nem somos autônomos em nossas escolhas nem somos passivos diante das escolhas que são feitas em nosso nome;
- apesar da força dessas escolhas que vêm prontas para cada um, cada qual pode produzir escolhas alternativas;
- não desistindo de produzir escolhas, pode-se exercitar o direito de se querer outras coisas e de se continuar sonhando com um mundo menos perverso, mais humanizado, mais generoso;
- tal conquista é árdua e a leitura pode funcionar como instrumento que facilita construir melhor o caminho;
- dentre os materiais de leitura, destaca-se o jornal, cuja leitura, por certo crítica, é muito importante de ser feita, já que tal veículo é um dos instrumentos que nos faz pensar como pensamos, querer o que queremos, sonhar com o que sonhamos, agir como agimos.

Disso tudo, concluímos: nem vítimas nem sujeitos – idealizados e a qualquer custo – da História! Seremos sujeitos da História, de verdade, se olharmos bem com esta História se desenrola, suas forças, seus personagens, seu movimento, suas tendências, suas versões, seus discursos, sua multiplicidade... Aí, sim, com base nos nossos sonhos, poderemos – e sempre coletivamente – ir transformando o status quo, estruturando uma nova forma de viver, melhor para cada um e para todos.

Como não somos os únicos a determinar os resultados de nossa própria ação, tanto um aluno-leitor pode passar a gostar de ler porque foi proibido de ler um determinado livro na infância como porque foi estimulado a ler pela família. Tanto se pode passar a gostar de ler porque se iniciou na leitura lendo no jornal sobre futebol, novela ou horóscopo (assuntos pouco nobres...) como porque se viu o pai ler sobre economia (Ah! que assunto nobre!!). Nós caminhamos atrás de probabilidades, mas nada é garantia de nada...
REFERÊNCIA:
LOZZA, Carmem. O Jornal na Escola: superando limites, ampliando possibilidades. Curso para Coordenadores 2008. Apostila impressa, 2008.
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